Quem não se lembra da psicóloga Lumena Aleluia, que desde o primeiro momento em que colocou os pés na casa do BBB deste ano, com o dedo em riste e palavreado rebuscado, brigou pelas causas que acredita?
Suas broncas foram tão desproporcionais e fora de contexto que acabou dando origem à expressão “militou errado”.
Apesar de Lumena – única ex-participante que saiu da casa do BBB com menos de um milhão de seguidores no Instagram – ter popularizado a militância errada, esta não parou nela.
Pelo contrário.
Qualquer pessoa que tenha por hábito dar uma espiada diária no explorar do Instagram vai acabar se deparando com militantes que se comportaram como proprietários das causas que defendem e, como tais, ditando quem é ou não legítimo para expor opinião sobre essas causas.
Uma vítima recente dessa militância errada foi a engenheira eletricista Fernanda Caroline.
Há alguns anos, ela foi trabalhar na Angola, onde acabou casando com um angolano e se apaixonou pela cultura local. Fez uma profunda imersão na história, na cultura, nos hábitos, inclusive dos africanos que ainda vivem em clãs ou tribos.
E, com muito orgulho, passou a ser uma espécie de porta-voz, mostrando ao mundo, por meio de suas redes sociais, a beleza e a filosofia de vida que embasam as religiões locais.
E, claro, tudo isso vestindo roupas típicas – aliás, não é para fazer bonito nas fotos; ela realmente adotou o guarda-roupa nativo e se veste como as mulheres africanas para qualquer ocasião.
Para difundir todo o seu aprendizado sobre os orixás, obtidos na fonte, Fernanda Caroline criou um grupo no Facebook e convidou pessoas que – em tese – compartilham do mesmo interesse para troca de informações e vivência.
E foi brutalmente atacada por uma mulher preta, Manuela Cristina, que expôs como comentário na página criada por Fernanda, sua opinião sobre o absurdo de ser convidada para curtir uma página de orixá criada por uma mulher branca e concluiu: “Só porque mora na Angola se acha a africana amante de negros”.
O militante extremista não se interessa pela história do outro ou por suas motivações – especialmente se acredita que esse outro não tem legitimidade para defender as mesmas causa que ele.
Assim, como Lumena Aleluia, exagera na dose, se apropria da causa e aponta o dedo sem nenhum pudor para julgar quem, mesmo sendo diferente, tem os mesmos ideais: respeito e igualdade.
Não é exagero dizer que grande parte dos militantes que usam as plataformas digitais para levantar suas bandeiras está mais interessada nos “likes” e comentários que recebe do que com a causa em si.
É como já falei em postagens anteriores: nas redes sociais não é precisar ser, basta parecer que é.
Um colega, que mora em Goiânia (GO) – não vou citar nome – aproveitou o dia do orgulho LGBTQIA+ para bombar suas redes sociais.
Até aí, tudo bem.
Para conseguir engajamento no post, ele publicou uma foto ao lado do marido e narrou uma pequena história “pessoal”.
O episódio escolhido foi o de quando foi expulso de uma igreja evangélica por ter defendido que o amor entre pessoas do mesmo gênero não poderia ser enxergado como aberração e que sentia a presença de Deus muito mais do que muitos hipócritas que esquentavam o banco da igreja, mas que não demonstrava nenhuma empatia, generosidade ou amor pelo próximo.
Naturalmente, a história foi narrada com pitadas de dor e superação, por ter deixado a igreja e estar até hoje casado com o mesmo homem e muito feliz, distribuindo amor por onde passa.
E, óbvio, conseguiu centenas de comentários, curtidas e até compartilhamentos.
Militantes da mesma causa LGBTQIA+ até se empolgaram demais e destilaram certa dose de ódio pelos evangélicos – mesmo que a postagem fosse exaltando o amor.
Por ser gay, assumido e casado com outro homem, sua postagem não recebeu nenhuma crítica por parte de militantes e ele foi ovacionado.
O único problema é que a história não é real. Conheci-o desde que estava na tal igreja e ele saiu simplesmente porque não se identificava mais com o ambiente.
Ele nunca foi destratado ou vítima de nenhum comentário ou olhar torto por causa de sua orientação sexual quando estava na igreja.
Ao contrário disso, lhe foram dadas muitos oportunidades de usar seus talentos na igreja, como o de cantor, já que é dono de uma belíssima voz.
O resumo da história é que os militantes também se rendem a certos modismos. E o da vez é usar a expressão “lugar de fala”, que em linhas gerais é o entendimento de que os falantes, para ter legitimidade, precisam estar inseridos em determinado contextos discursivos.
O problema é que estão levando isso muito à ferro e fogo.
Sendo assim, eu, que sou hétero, não tenho lugar de fala nas questões relativas às lutas LGBTQIA+.
E pior, a exemplo do que aconteceu com a Fernanda Caroline, corro o risco de ser vítima de militantes haters que se julgam donos dessas falas.
Militância, seja qual for, é necessária para garantirmos que todos tenham direito a voz e possam expor suas dores e exigirem respeito, que é o mínimo que um ser humano deve ter numa sociedade que se diz civilizada.
Mas, a militância errada, que julga, ofende, destrata, desacredita e retira do outro o seu lugar de fala, não contribui em nada e ainda piora o que está longe de ser ideal.
Wanja Nóbrega é jornalista, com três especializações e mestrado na área.
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