Quando fui subeditora do Portal Correio (Paraíba), tinha uma colega, Érica Oliveira, que dizia que uma das coisas que a deixava mais irritada eram pessoas que estavam sempre felizes.
Isso foi dito durante a visita de uma celebridade (famosa cantora baiana), muito simpática e esfuziante, à redação para divulgar um show que faria em João Pessoa.
O episódio, ocorrido em 2013, rendeu longa conversa sobre pessoas que pareciam não ter problema, que estavam sempre sorrindo, abraçando todo mundo, fazendo declarações de amor para toda a humanidade e que nada parecia abalar o exagerado bom humor.
A conclusão que chegamos era que essas pessoas não são reais e fingem em algum momento. Fingem pelo menos quando estão em público, como se estivessem atuando e precisassem manter o personagem.
Nas redes sociais, essa felicidade constante é levada ao extremo, já que as postagens são apenas recortes do que seria a rotina das pessoas que seguimos e que gostamos de acompanhar.
Se a vida alheia sempre despertou nosso interesse, não tem nada melhor do que passar um tempo diário bisbilhotando a vida dos outros nas redes sociais.
Mas é preciso ter senso crítico para não acabar ficando desanimado com a própria vida ou infeliz por acreditar que todo mundo tem uma vida melhor do que a sua.
Pegando o Instagram como exemplo:
Ali tem de tudo. Tem gente amamos, que achamos estranha, que admiramos, que nos inspiram, que nos irritam e que nos causam diversas emoções.
Isso não é ruim. Mas, claro que é preciso ter a compreensão de que nada daquilo ali é real ou parâmetro para nossa condução de nossa própria vida.
Grande parte das pessoas que merecem nossa atenção nas redes sociais não está ali para tornar a nossa vida melhor; estão ali para tornar a vida delas próprias melhores, por meio dos anúncios, recebidos e outras vantagens que vão surgindo com o aumento no número de seguidores.
Quase sempre se trata apenas de um negócio e esse negócio é parecer uma pessoa digna de admiração constante.
Tem exceção? Deve ter. Mas, no geral, quem está presente no Instagram está em busca de alguma vantagem, nem que seja apenas o reconhecimento do trabalho que realiza.
Por isso, não dá para exigir autenticidade, sinceridade de ninguém. A vida dos mortais é feita de altos e baixos. Na maioria das vezes, mais baixos do que altos.
Um exemplo prático disso. Depois que acabou o BBB, alguém viu algum dos ex-participantes sem que esteja com visual bem cuidado? Mesmo quando aparecem em uma postagem descontraída, feita no “improviso”, em casa, tem todo um cuidado antes, que faz parecer que mesmo os momentos mais triviais do cotidiano deles tem certa dose de glamour.
Nada é realmente espontâneo, afinal não dá para cometer erros, já que os seguidores estão sempre a postos, prontos para dar likes, comentar, compartilhar ou manifestar descontentamento.
Todo mundo tem dias ruins. Na vida real, às vezes levantamos sem vontade até mesmo de dar bom dia aos nossos colegas de trabalho ou de aula. Mas, precisamos fazer isso, mesmo de cara amarrada, porque o convívio social exige.
Nas redes sociais, estando num péssimo dia, basta não ligar a câmara e esperar o próximo dia. Para os seguidores, só o melhor de mim.
Existem postagens ótimas, de pessoas fingindo que acabaram de acordar e pegaram o celular para filmar sua rotina matinal.
Daí, o seguidor inocente imagina como o fulano consegue acordar já tão bonito e eu acordo parecendo que fui atropelado por um trator?
Simples: fulano levanta, escova os dentes, dá uma penteada nos cabelos, até um corretivozinho para corrigir olheiras, dá uma organizada no quarto e na cama. Feito isso, está pronto para simular um despertar glorioso.
Quer dizer que ninguém é autêntico em rede social?
Não exatamente. Mas o conceito de autêntico é levado para outro patamar.
De acordo com o dicionário, ser autêntico é ser verdadeiro, legítimo e genuíno.
E dá para ser assim nas redes sociais, traçando o perfil que deseja assumir e se manter fiel a este perfil.
Conheço pessoas que na vida real são antagônicas do próprio perfil nas redes sociais. Exemplo: no perfil é coach especializado em relacionamentos familiares e na vida real é um desastre em relacionamentos interpessoais de todos os tipos, inclusive familiares. Mesmo assim, se mantém autêntico no perfil, dando bons conselhos aos seus seguidores.
Um exemplo pessoal: sou artesã e adoro passo a passo de youtubers que trabalham com costura criativa. Muitas vezes fico frustrada porque tento reproduzir uma peça e sigo todas as dicas, todas as medidas, mas sempre sobra alguma coisa na peça que precisa ser ajustada. No final das contas o resultado é bom, mas nunca é tão perfeito.
Certa vez, resolvi fazer uma coisa que não gosto: assistir uma live de uma artesã que sigo, enquanto ela fazia uma peça ao vivo. Na live, as costuras não foram tão perfeitas e a peça precisou de algumas correções no final para ficar bacana.
Conclusão: as postagens são editadas e as imperfeições corrigidas durante a edição, que mostram a nós, seguidores, apenas o que dá certo. Na impossibilidade de fazer isso durante uma live, a artesã ninja do YouTube se tornou tão mortal quanto eu.
Decepcionada? Que nada. Adorei saber que ela é igual a mim.
O que quero dizer com tudo isso é: curta as redes sociais e as pessoas que você admira com uma boa dose de razão e bom senso.
Pense que verdadeiro é você, que acorda descabelado, com remela nos olhos, bafo e uma preguiça danada de levantar.