Tem um ditado popular – de mau gosto, confesso – que diz que cabeça de juiz e Kinder Ovo, nunca se sabe o que vai sair.
Talvez apostando nisso é que muitas demandas judiciais parecem absurdas à primeira vista, mas acabam ganhando a simpatia de algum juiz, que entende o pleito como justa causa.
A seguir, dois casos envolvendo consumo de álcool. E, como sempre, um ocorrido aqui, em terras tupiniquins, e outro nos Estados Unidos.
Degustador de bebida induzido ao alcoolismo
Em 2016, um acórdão do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais deu ganho de causa a um trabalhador, que processou uma famosa fábrica de bebidas onde trabalhava, acusando-a de ter contribuído para torná-lo um alcoólatra.
Na ação, o trabalhador alegou que entre suas funções estava a de degustador de bebida alcoólica, função esta exercida de maneira voluntária.
O funcionário pediu uma indenização de R$ 100 mil reais, mas o juiz convocado como relator, reduziu o valor para R$ 50 mil, por entender que a função de degustador não foi a única causa que levou o trabalhar ao alcoolismo.
Em sua defesa, a empresa disse que a função de degustador não existia e que a mesma era exercida de maneira voluntária por trabalhadores da empresa que atuavam em diversas funções.
A empresa mostrou que os voluntários passavam por exames e recebiam um curso específico de degustação e que os voluntários tinham a liberdade de participar ou não das sessões de degustação ou mesmo deixar de compor o banco de degustadores a qualquer tempo.
Além disso, a empresa afirmou que a quantidade de bebida ingerida era pequena, não sendo suficiente para causar danos ao organismo.
A empresa argumentou, por fim, que o reclamante não era usuário apenas de álcool.
Mas o magistrado responsável pela relatoria do caso levou em conta as provas de que o funcionário participou do quadro de provadores da empresa por dois anos e que ao longo desse período a empresa nunca realizou nenhum tipo de exame médico ou psicológico.
Assim, o juiz entendeu que a empresa não agiu com a cautela e vigilância necessárias para evitar esse tipo de desfecho com seus degustadores.
Testemunhas ouvidas no caso, afirmaram que apesar de não ser função obrigatória, a empresa oferecia prêmios pra estimular os funcionários a serem degustadores voluntários (caixa de cerveja, cooler e balde).
Daí, o magistrado observou que até mesmo os brindes estavam relacionados diretamente ao consumo de bebidas.
Outro dado que pesou na decisão do Magistrado, é que testemunhas revelaram que a empresa convocava os degustadores durante a jornada de trabalho e que depois da sessão de consumo de bebida alcoólica, voltavam para suas funções, incluindo aqueles que operavam máquinas.
Colegas do reclamante também testemunharam que era visível a mudança em sua aparência e comportamento após entrar para os voluntários da degustação.
O juiz deu ganho de causa ao entender que a empresa foi negligente, não acompanhando de perto os funcionários que eram estimulados a consumir álcool todos os dias.
Quanto ao consumo de outras substâncias, o juiz entendeu que isso em nada reduz a responsabilidade da ré.
Só a título de contextualização, desde o ano de 1967, o alcoolismo crônico, caracterizado pela dependência química do álcool, foi classificado como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS). No Código Internacional de Doenças, o alcoolismo é classificado como transtorno mental e comportamental devido ao uso de álcool (síndrome de dependência). Ou seja, é uma doença limitante, capaz de retirar a capacidade de compreensão e discernimento do indivíduo.
Propaganda enganosa
Em 1991, um cidadão norte americano resolveu entrar com uma ação contra uma famosa fabricante de cerveja por propaganda enganosa.
Na alegação, o reclamante se disse frustrado, por ter sido enganado pelos comerciais da cerveja, que o levaram a acreditar que, ao consumi-la, seria transportado para o cenário tropical, com lindas mulheres, os amigos em volta da mesa, com todo mundo feliz e dando risada. Enfim, o mundo perfeito dos comerciais de cerveja.
Em suas alegações, pontuou que as propagandas da cerveja o fizeram acreditar que ele teria a mesma vida encenada no comercial.
E, como nada aconteceu, ele afirmou que a decepção lhe causou grande estresse emocional, dano mental e perda financeira, uma vez que consumia a cerveja com freqüência esperando sua vida mudar.
O Judiciário americano não se deu ao trabalho de nem mesmo julgar o caso, arquivado-o.
Vale esclarecer que, no Brasil ou nos Estados Unidos, a publicidade só é considerada enganosa quando há falsas alegações relativas a aspectos objetivos do produto, como origem, composição, riscos, preço, garantia, produção, propriedades, etc.
A fantasia utilizada para ilustrar a publicidade não é considerada enganosa e espera-se que o consumidor do produto anunciado entenda que a realidade falsa é apenas ilustrativa.