Foram dois meses de gravações, mais de 2 mil km rodados, quatro comunidades indígenas visitadas em sete locações, mais de 130 horas de gravação, 20 pessoas na equipe e 16 indígenas entrevistados. Este é o balanço geral da etapa de captação de imagens do projeto “Wewe: histórias de indígenas recém-declarados sob o olhar do programa Mosaicos do Tocantins”, de iniciativa da cineasta Mariah Soares, patrocinado pelo edital de Audiovisual, da Lei Paulo Gustavo, via Secretaria Estadual de Cultura.
A websérie terá cinco episódios com previsão de lançamento no segundo semestre deste ano, em exibição aberta ao público e também em TV aberta, no programa Mosaicos do Tocantins, da RedeTV. A proposta é de mostrar a história dos indígenas recém-declarados ou que ainda não têm territórios demarcados no Tocantins, sendo eles os povos Kanela, Atikum Umã, Mbya Guarani e Pankararu.
Segundo a cineasta, a produção audiovisual vai mostrar por meio de testemunhos dos indígenas, as lutas, desafios e como o reconhecimento de sua identidade se relaciona com o seu futuro. “São povos que ao longo da sua história sofreram perseguições, racismo e preconceito, mas que se mostraram resistentes, corajosos e cheios de esperança. “São histórias repletas de sabedoria e resiliência. É esse aspecto que estará na tela, contado pelos próprios indígenas”, complementa Mariah, que assina a direção-geral da websérie.
O pesquisador e produtor indígena Célio Torkã Kanela avaliou o projeto como de extrema importância para todos os povos indígenas. “É um projeto que vem para tornar visível o invisível, de mostrar de fato quem somos, onde estamos, como vivemos e que vem para mostrar que já estávamos aqui antes mesmo do estado do Tocantins. Agregando a importância do nosso povo para o Tocantins, Brasil e mundo”, declarou.
Captação
A última captação aconteceu na última semana, quinta-feira, 30, a sábado, 1º, na aldeia Crim Patehi, nas cidades de Araguaçu e Lagoa da Confusão. Em Araguaçu, foi entrevistado o “Tio Joca” (Joaquim Pereira Montel), um dos anciões na antiga aldeia Crim Patehi. “Tio Joca” tem 70 anos e veio para o antigo Goiás com menos de 3 anos, quando parte da família veio sobre lombos de jumentos e a pé. Andaram durante mais de três meses em busca de uma vida melhor”, adianta Mariah.
Além do ancião, também foram entrevistados o cacique da aldeia, Arlindo Alexandrino de Souza Iparcàxà; o vice-Cacique Ildo Koyahê Barroso Canela; Ana Luísa Araújo de Almeida Souza e Célio Torkã Kanela. “Esta aldeia (Crim Patehi em Lagoa da Confusão) foi fundada em 2012 e em 2019, 14 famílias vieram da antiga Crim Patehi em Araguaçu onde o “Tio Joca ficou e vive lá”, explicou a cineasta.
A moradora da aldeia Crim Patehi Ana Luísa Araujo de Almeida considera que o projeto é importante para dar visibilidade a sua história de luta e de seu povo. “A gente achava que estava em completo esquecimento. Aí vem um trabalho desses tão importante e aguça de novo na gente uma esperança de que aquilo que era sonho possa se tornar realidade, que é de tirar a gente dessa página do esquecimento”, declarou.
O Cacique Arlindo Kanela considerou a gravação como necessária e gratificante. “É um vídeo que vai mostrar quem somos e que já é um degrau para o futuro de acreditar que vamos ser vistos, lembrados. Estamos muito felizes e ansiosos já pelo resultado”, afirmou.
Projeto
A diretora-geral do projeto afirma que a produção audiovisual é importante para resguardar e dar visibilidade à importância do reconhecimento a eles. Segundo ela, as histórias são reveladas pelos próprios protagonistas das suas histórias que representam resistências, muitas delas com ressignificação de culturas, mas mantêm-se firmes na defesa de sua identidade étnica.
A iniciativa conta com consultoria, pesquisa e sugestão do tema, do indígena Célio Torkã Kanela. Segundo ele, esse reconhecimento, em título, nomeação e documentação veio tardiamente pelas políticas públicas competentes, mas ainda há esperança de um mundo melhor. “Nós não somos o que, infelizmente, muitos livros de história ainda costumam retratar. Nós não estamos nos poucos alinhamentos de políticas públicas que ainda resistem para os povoados, muitos de nós não tem sequer uma aldeia ou território, mas somos indígenas”, declara.
Inclusive, o nome do projeto foi idealizado por Torkã Kanela. Segundo ele, reflete a forma subjetiva de entender e ver o mundo, pois se definem como WEWE, borboleta em português. “Comparo a gente com a borboleta, por representar um ser que passa por transformações ao longo de sua vida. Primeiro ela (borboleta) nasce como lagarta e depois se transforma em uma linda borboleta admirada por todos. Enquanto lagarta, ela é desprezada e repugnada por muitos. É vital compartilhar e dar visibilidade a essas histórias e sentimentos, para promover o respeito e a compreensão, não apenas entre os povos indígenas, mas principalmente entre os não indígenas”, expressa o consultor.
A produtora executiva do projeto, Andrea Lopes, afirma que, mais do que registrar e documentar para as gerações futuras a história e resiliência desses povos, a proposta é de contribuir para a inclusão desses indígenas nas políticas públicas para os povos indígenas do Tocantins. “As políticas públicas já são escassas para os indígenas oficialmente declarados desde o surgimento, mas é praticamente nula para os povos recém-declarados. Então, a proposta é de contribuir para o resgate da identidade deles, na medida em que a visibilidade vai fortalecer a autopercepção enquanto indivíduo”, conclui.
Realização
A realização do programa Mosaicos do Tocantins, com direção-geral, roteiro e entrevistas de Mariah Soares. O projeto é patrocinado pelo edital 023-Audiovisual Tocantins, Módulo III, da Lei Paulo Gustavo (LPG), via Secretaria Estadual de Cultura, do Governo do Estado do Tocantins. Há ainda o apoio da Secretaria Estadual dos Povos Originários e Tradicionais, Secretaria Estadual de Turismo, Secretaria Estadual de Cidadania e Justiça, Secretaria da Pesca e Aquicultura.